domingo, 16 de junho de 2013

A volta do gim-tônica com roupagem contemporânea

Drinque clássico renasce nos melhores bares de Nova York, mas com uma pitada de ousadia e artesania

Bebericar um bom gim-tônica é como encontrar uma camisa Oxford do século 20 no armário e perceber que ainda é possível vesti-la em um passeio à noite no centro da cidade, sem parecer fora de sintonia com o século no qual estamos. Simplesmente funciona. Isso, porém, não impediu que os bartenders deslumbrados com a mixologia tentassem aperfeiçoá-lo. Podemos encontrar alguns deles, que não resistem a encher uma taça com infinitas variações de sabores, transformando o gim-tônica em um espetáculo tão complicado que mal podemos reconhecê-lo. 

A boa notícia, porém, é que muitas dessas variações inovadoras e bem sucedidas estão sendo imaginadas por bartenders e donos de restaurantes que não veem a palavra moderação como um epíteto. Graças a eles (e a um momento de franca expansão internacional de novos gins-tônicas, cuidadosamente elaborados), esse é um momento bom para ser fã da bebida. Especialmente em Nova York.
O restaurante espanhol Cata oferece uma variedade impressionante de gins-tônicas: 25, na última vez em que foram contados, embora a lista continue crescendo e evoluindo. E a sua inspiração são novas tendências de coquetéis vindas de cidades como Madri e Barcelona. Podemos dizer que a fórmula espanhola consiste em manter a abordagem tradicional, sem complicações (gim e tônica sobre o gelo). No entanto, para fugir do limão de sempre, eles substituem o ingrediente com novas tendências de frutas e especiarias, que (idealmente) valorizam um aspecto botânico no gim.
Na primeira versão que experimentei no Cata, o barman macerou delicadamente uma laranja kinkan partida ao meio no fundo de um copo. Despejou um pouco de gelo, depois vários cravos secos e mais algumas laranjinhas, serviu um pouco de gim Dorothy Parker e deslizou o copo em minha direção, junto a uma garrafa de água tônica Schweppes, para ser servida a gosto.
Eu queria mais (coquetéis, quero dizer). No cardápio do Cata há também um gim-tônica de lavanda. Meio adocicado. Outro é de coentro, outro de anis-estrelado, outro de óleo aromático extraído de uma grande casca de laranja. Cada versão usa um gim específico que pode ser o Botanist, Boodles, Bluecoat ou Death’s Door; já as tônicas servidas são Fever-Tree, Q, Fentimans, White Rock ou Schweppes. Em cada caso, a equipe do Cata provou e discutiu diversas combinações para achar a mais apropriada para dar destaque a cada gim. "Queríamos simplicidade", disse Michel Vasilevich, que supervisiona as bebidas do Cata. "Nenhuma infusão. Nenhum sabor que se sobreponha aos outros. O gim é maravilhoso por si só".
O gim, assim como o saquê, combina facilmente com petiscos salgados e gordurosos, como tapas. Por isso, faz muito sentido que o estilo espanhol de gim-tônica esteja ganhando força em restaurantes como o Cata, o Tertulia, o La Boqueria e o Vara, no Brooklyn, aonde vem em uma taça tão grande que mais parece um cálice ibérico com uma pequena casca perfumada de limão descendo pela borda.
A Espanha merece parte do crédito pela volta dessas tendências, mas também tem estado na moda todo aquele estilo faça-você-mesmo e artesanal de lidar com os ingredientes. O Per Se, templo culinário de Thomas Keller no Time Warner Center, criou um rebuliço anos atrás, quando começou a oferecer um coquetel misturado com pó de quinina, o ingrediente tradicional usado para preparar água tônica. 
Há ainda, por todo o país, outros restaurantes cujo grande diferencial é a tônica produzida na própria cozinha. Tomemos como exemplo Pedro Gonçalves, encarregado pelos vinhos e bebidas do Oceana, um restaurante nova-iorquino que se orgulha de ter no estoque não apenas gins de toda parte do mundo, mas quatro diferentes tipos de tônica: doce, amarga, cítrica e apimentada. Há um tempo, Pedro, amante do gim-tônica cuja família vem de Portugal, começou a se perguntar: por que as pessoas, quando tem um excelente gim, estragam tudo com uma tônica genérica? "Isso me incomodava", contou ele.
Buscando desenvolver seu próprio xarope de quinina, Pedro mandou buscar um estoque de pó de quinina do Peru. A primeira pergunta que lhe veio à mente foi "OK, o que diabos eu faço com isso?", lembrou-se ele. "Sinceramente, eu realmente não fazia a menor ideia". A filtragem dos sedimentos acabou se mostrando um desafio. Ainda assim, por tentativa e erro, Pedro descobriu como fabricar tônica. "A quinina tem uma longa história", acrescentou ele. "Os nativos sul-americanos costumavam usá-la como relaxante muscular. Após um dia cansativo de trabalho, quando o corpo está fatigado, ela faz muito bem".
A questão agora é persuadir os clientes a experimentaram o tal relaxante muscular. O coquetel não raro tem um sabor bem diferente graças à tônica artesanal, com uma cor que pode se assemelhar à de chá gelado. "No começo, as pessoas ficavam dizendo 'Nossa, a tônica é meio escura", disse ele. Pedro, porém, continua tão convencido de que "tudo o que é produzido em massa não é feito com a mesma atenção aos detalhes" que usa um tipo estranho de marketing reverso: dos clientes do Oceana que pedem Schweppes, ele cobra um dólar a mais. 
Nem todos os bartenders concordariam com essa política. Muitos deles diriam é difícil superar o prazer proporcionado por tônicas pré-fabricadas, como Fever-Tree, Fentimans e, sim, Schweppes. "É nisso que eles são especializados", disse Tyler Pitman, diretor de operações e gerente nacional de bebidas da Todd English Enterprises. "Não vou conseguir preparar uma tônica melhor do que a deles". Pitman elaborou a receita de um gim-tônica que é servido no bar do Todd English Food Hall, o empório gastronômico do Plaza. Ele é feito com tônica Fever-Tree, gim Hendrick, uma fatia de toranja, uma pitada de cardamomo ralado fresco e uma folha de manjericão que ele esmaga entre as mãos para liberar o aroma. Pitman acredita que o segredo da infraestrutura de um bom gim-tônica está na fidelidade à receita clássica, disse ele.
De fato, se existe um equivalente literário para o coquetel no cânone norte-americano, só pode ser "O Grande Gatsby", de F. Scott Fitzgerald, uma obra fundamental da Era do Jazz. Tanto o livro quanto a bebida conseguem ser ao mesmo tempo elegantes e igualitários, e a sensação despertada por um gim-tônica "reinventado" talvez corresponda bem à suscitada pelo mais recente filme de Baz Luhrmann, diretor australiano com vocação para nos fazer embarcar em jornadas carnavalescas e vertiginosas.
Em cada um dos casos, não seria melhor evitar que as coisas saiam do controle? O cavalheiro que comanda o bar do Greenwich Project, um novo ponto de encontro do centro da cidade, concorda. Ele descartou a ideia de fabricar a sua própria tônica depois de algumas experiências fracassadas realizadas alguns anos atrás. "Nós tentamos, mas decidimos abrir mão da ideia", disse ele recentemente, depois de explicar que é possível encontrar um exemplo disso em "Dr. No", romance de Ian Fleming, em uma cena em que James Bond pede um coquetel duplo com um limão inteiro. "Não dá para prepararmos algo de que nós realmente gostamos sempre. E muitas pessoas que querem gim-tônica simplesmente querem o clássico". É melhor levarmos a sério o que ele diz. Há outro motivo para acreditarmos que o cara do bar do Greenwich Project sabe bem do que está falando. O nome dele, afinal, é Scott Fitzgerald. 

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