terça-feira, 2 de agosto de 2011

A Magia dos Queijos

Saborosos, cheirosos e famosos, há séculos são objetos de desejo à mesa e grandes amigos do vinho


A francesinha de quatro anos de idade vê chegar a sobremesa, depois de comer a entrada e o prato principal. Cruza os braços, franze a testa e diz com a vozinha firme: Alors, et le fromage? Cena verdadeira ocorrida em Paris. Comer queijos antes dos doces faz parte da tradição francesa à mesa, tão arraigada que mesmo as crianças já crescem imaginando qual dos mais de 300 fromages de France serão servidos após o prato principal. É o momento e o lugar de honra dos queijos.
A França produz queijos de leite de vaca, cabra e ovelha com diferentes tipos de massa: prensada, mole, fresca, com ervas, aromatizada com bebidas ou vinhos, envolta em folhas de uva, carvalho ou castanheira, imersa em especiarias ou friccionadas com cinzas de carvão vegetal. E uma boa parte dos queijos tem também diferentes períodos de maturação. Comum a todos, o gosto inigualável.
Mas por quê? Os franceses, sabemos, tratam a gastronomia como uma religião. E com os queijos desenvolveram a preciosa liturgia da affinage, a lenta maturação que permite a cada um deles sua expressão máxima. É coisa ligada à sensibilidade humana, de pai para filho – a tecnologia tem seus limites aqui, pois nada substitui o olhar, o olfato, o toque, o paladar.
Eles procedem de todas as regiões do país e alguns são copiados em várias partes do mundo. São amigos íntimos dos vinhos e a verdadeira harmonia entre ambos se dá durante a refeição. As festas e recepções “queijo e vinho” são simpáticas mas um pouco indigestas, já que o consumo único de queijos, além de pão, pode provocar uma saciedade desconfortável.

E qual é a melhor combinação? Os séculos de experiência dos franceses nos oferecem algumas indicações.

- Queijos frescos ou novos de massa branca ou mole, como Boursin, Banon, Bûche, Boucheron, Chabichou, Chevrotin, Coeur Poitevin e Montrachet ficam bem com champanhe e vinhos brancos como o Bourgogne-Aligoté, o Chablis e o Mâcon, todos da Borgonha. E tintos leves do Vale do Loire, como Saumur e Anjou. Ou ainda o rosé da Provence.

- Brie e Camembert, campeões de consumo no Brasil, quando novos se harmonizam bem com brancos sauvignon blanc do Loire, sobretudo Sancerre, e tintos com gamay e pinot noir. Bem maturados, já com a massa amarelada, pedem vinhos um pouco mais encorpados, como os Côtes-du-Rhône. Outros queijos com característica parecida: Brillat-Savarin, Coulommiers, Chaource, Pont l´Éveque, Brie de Meaux e Brie de Nangis. Os queijos da Normandia, por afinidade regional, são também acompanhados pela cidra, espumante de maçã.

- Queijos maturados e cremosos, como o Saint Marcellin, Livarot, Soumaintrain e Reblochon solicitam tintos sedosos, como os malbec do Madiran ou vinhos do Pommerol, Bordeaux.


- Queijos de massa mais firme, como Beaufort, Morbier, Port-Salut, Maroilles, Saint Nectaire e Comté se dão bem com brancos de boa estrutura, com chardonnay, e tintos medianamente encorpados, sem muito tanino, como os vinhos do Languedoc-Roussillon. No caso do Comté, o vin jaune local, principalmente o fantástico Château-Chalon, faz o acordo regional perfeito.


- Queijos de massa seca como Port-Salut, Saint-Paulin, Tommes, Saint-Nectaire e Cantal gostam de vinhos ligeiros, frutados e secos como os da Provence e do Loire, além de champanhe e outros espumantes franceses.


- Os queijos, digamos, mais “violentos”, como Munster, Pont-l'Evèque, Coeur d’Arras e Epoisses, cujo odor é sentido a dezenas de metros, pedem brancos mais aromáticos e com certa doçura, para contrabalançar o “ataque”. Caso do gewurtztraminer, do muscat da Alsácia, do pinot blanc. Mas, se for partir para a briga, suspire fundo e lance o contra-ataque com tintos vigorosos, como o Cahors, os grandes do Rhône (Hermitage, Crozes-Hermitage, Côte-Rôtie, Châteauneuf-du-Pape) ou mesmo alguns Bordeaux de respeito.
- E os gloriosos queijos azuis, como Roquefort, Bleu d´Auvergne, Fourme d´Ambert, Bleu de Bresse, Bleu de Gex e outros, por serem picantes, não se dão bem com o tanino dos tintos, preferindo a companhia meiga dos vinhos doces naturais como Sauternes, Montbazillac, Rivesaltes, Beaumes-de-Venise ou fortificados como Maury e Banyuls.
Alguns desses queijos são encontrados no Brasil em empórios finos e há uma importadora especializada, a Caseus, com alguns bons produtos franceses.

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