quarta-feira, 22 de maio de 2013

Criança pequena não mente, fantasia

Até certa idade, entrar na história e mostrar a realidade para a criança a partir dela é o melhor caminho

Inventar histórias é uma das delícias da vida de criança, mas nem sempre estamos prontos para compreender as fantasias do mundo infantil. A mentira pode encobrir problemas e faltas graves, por isso muita gente acha que deve cortar o mal pela raiz. Mas é importante diferenciar mentira de fantasia, porque desrespeitar a fase de desenvolvimento na qual a criança precisa usar a imaginação para entrar aos poucos na realidade pode ter o efeito contrário. Quando não encontra espaço para transgredir com suas histórias fantásticas porque é tachada de mentirosa, a criança pode crescer se reconhecendo como tal.

Esse tema aflige muitos pais e foi grande preocupação na minha vida há duas décadas. Sempre fiquei muito incomodada com mentira e só parei de amolar a minha filha, que hoje tem 24 anos e é de uma ética exemplar, quando li em um livro que a criança não sabe por que mente. Era uma tortura a insistente pergunta: “Por que você mentiu pra mamãe?” Ela foi salva por um livro, nunca mais perguntei, pois passei a compreender a mentira como uma coisa normal da infância.

Entrar na fantasia e a partir dela mostrar a realidade para a criança é o melhor caminho. Hoje, consigo entender o que acontece quando o Lobo Mau passa lá em casa e apronta alguma coisa. Além de dar uma bronca no danado, apuro o caso e descubro que ele não agiu sozinho, acrescentando um toque de realidade na vidinha do meu caçula, que é um craque em inventar histórias e botar a culpa no Lobo. Fico tranquila quando ele busca rapidamente uma solução para qualquer coisa que não tenha uma resposta confortável. Os personagens saem dos livros, do palco e da tela do cinema para levar a culpa no lugar dele ou simplesmente para explicar o inexplicável.

Para a professora da área de psicologia Inês Tassinari, psicanalista e terapeuta da linguagem, os pais devem falar a mesma língua da criança. É bom embarcar na fantasia para trazer a verdade à tona, não para concordar com ela. É respeitar a imaginação da criança para conduzi-la à realidade. Aos poucos, ela concilia a realidade com o desejo natural de que as coisas aconteçam como quer.

Não é por faixa etária que a fantasia ganha status de mentira, pois cada criança se desenvolve de forma e em tempo diferente. Mas, como referência, com dois anos, a criança já é capaz de inventar coisas e até por volta dos três é pura fantasia. Começa a ter noção do que pode e do que não pode e, aos quatro, reconhece fronteiras claras entre fantasia e realidade, mas ainda usa demais a imaginação para explicar situações embaraçosas. E, só por volta dos seis ou sete anos, conhece os códigos sociais e pode perceber a gravidade de uma mentira.

Inês Tassinari não esquece a frase do filho aos quatro anos: “mentira é a verdade que os adultos não entendem”. A psicanalista completa: “O importante é a verdade que está por trás da mentira”. Ou seja, é saber o que leva a criança a mentir. Os pais precisam manter intimidade com os filhos para que eles contem o que está acontecendo. O excesso de repressão e de punição gera o excesso de defesa.
A psicóloga e psicanalista Claudia Monti Schonberger, coordenadora e supervisora do Instituto Sedes Sapientiae, concorda. A criança dissimula para resolver uma situação, porque mesmo sabendo que estava errado queria fazer aquilo. E quanto mais nova, mais vontade ela tem. “É um jogo de forças dentro dela”.

Quando a criança tem compreensão da realidade e costuma fazer uma coisa e dizer outra, é preciso conversar para descobrir porque está agindo assim. As crianças mentem até por razões nobres, como proteger a mãe de um aborrecimento. Mas se as mentiras passam a interferir no desenvolvimento, e a história mirabolante é vivida como verdade, é necessário buscar auxílio profissional.

Na escola

A mentira reina no contexto escolar. Grande parte daquelas mais deslavadas pode ser atribuída a muita pressão por parte dos pais. A vice-presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia, Cristina Quilici, disse que as mentiras devem diminuir muito dos sete aos 11 anos de idade. Se meninos e meninas continuam arrancando a página da agenda para esconder uma punição e vivem contanto histórias de que os colegas agrediram e a professora bateu, podem estar tentando encobrir os reais motivos para notas baixas.

Mas pior é o conluio entre pais e filhos. A mãe deixa a criança passar o dia inteiro no videogame ou no computador e manda um bilhetinho mentindo que ela não teve tempo para fazer a lição porque foi ao médico. Casos assim, em que a mentira faz parte da dinâmica familiar, são lamentáveis. Como disse a psicanalista Inês Tassinari, essas pessoas estão construindo um mundo perverso, e se a escola for conivente, está pronto o cenário para “um desastre social”.

Por Thelma Torrecilha 


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