Nova obra da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva
enfoca o transtorno de personalidade borderline, que faz as pessoas
agirem no limite de suas emoções. Leia entrevista
Autora do best-seller “Mentes Perigosas”
(Fontanar), que aborda a incapacidade de amar dos frios psicopatas, a
psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva se debruça sobre um tipo totalmente
oposto em seu novo livro: alguém que canaliza toda atenção para a vida
afetiva e que tem uma necessidade incontrolável de amar e ser amado o
tempo todo. A obra “Corações Descontrolados”
, da mesma editora, disseca o comportamento dos borders, chamados assim
por sofrerem do Transtorno de Personalidade Borderline (TBP).
Vivendo um turbilhão de emoções, Amy oscilava sua performance nos palcos de acordo com as suas relações amorosas
Um telefonema na véspera do Natal de 2009 motivou a autora a escrever
o livro. A ligação interrompeu uma caminhada da psiquiatra na orla do
Rio de Janeiro e era da amiga Victoria, que tinha acabado de ser presa
por invadir o apartamento do ex-namorado, em uma tentativa desesperada
de provar que era a mulher da vida dele. “No caminho até delegacia, fui
me lembrando com toda a vida da Victoria era marcada por relações que
terminavam daquele jeito. Repetindo o ciclo de se apaixonar pelo ‘grande
amor da vida dela’, ser trocada por outra mulher e acabar aprontando
alguma. Foi assim desde o primeiro namorado”, relata Ana.
De acordo com a psiquiatra, pessoas como Victoria (nome
fictício) vivem sempre à beira de uma ‘hemorragia emocional’, que pode
acabar ‘sangrando’ se elas se sentirem rejeitadas pelo (a) parceiro (a).
Na entrevista a seguir, Ana descreve a tormenta de ser border e a
maneira de tratar esse transtorno.
Marilyn Monroe (1926-1962) nunca conseguiu ter relacionamentos afetivos
duradouros, mas sabia como ninguém seduzir e manipular os homens .
É mais do que uma doença, é um jeito disfuncional de ser. Uma maneira
de lidar com a vida que traz um prejuízo significativo para uma pessoa.
São quatro características básicas: a primeira é uma dificuldade
significativa nos relacionamentos afetivos e interpessoais mais íntimos.
A segunda é uma autoestima ruim, com esses indivíduos se vendo muito
aquém do que realmente são, em uma visão distorcida da realidade. Há
ainda a característica da impulsividade, que pode se manifestar com uma
agressividade aos outros ou a eles mesmos. Por fim, há uma instabilidade
emocional, com mudanças de humor várias vezes ao dia, em função dos
acontecimentos, especialmente àqueles relacionados à esfera dos
relacionamentos.
Janis Joplin (1943-1970) tinha uma vida desregrada e era autodestrutiva, com consumo de álcool e drogas pesadas em excesso
Pode ser uma coisa simples. Por exemplo, se a pessoa border liga para o
namorado no trabalho e ele fala apressado: “eu não posso falar com você
agora porque eu estou muito ocupado”, aquilo já acaba com o dia dela.
Ela vê aquilo como algo pessoal, com uma rejeição. É
diferente de alguém que tem, por exemplo, transtorno bipolar e alterna
dois comportamentos opostos e bem marcados.
Quem tem transtorno borderline vai mudando de humor de acordo com as ações da pessoa que é o seu objeto afetivo.
Elizabeth Taylor (1932-2011) teve oito casamentos, em relações conturbadas e cheias de traições, ciúmes, brigas e bebedeiras .
É como se essas pessoas fossem hipersensíveis a qualquer tipo de
rejeição. Então, se alguém diz que não gostou do sapato dela, ela logo
entende isso como se a pessoa não tivesse gostado dela inteira. Ela não
consegue levar aquilo numa boa e responder brincando: “que engraçado
você dizer isso, ele é confortável, me faz bem”. Qualquer crítica, por
menor que seja, provoca abalos. Mesmo quando não é crítica, mas apenas
uma observação. No livro “Mentes Perigosas”, eu tratei do transtorno de
personalidade psicopática, sobre pessoas completamente racionais, que
não têm nenhum sentimento pelo outro. Já uma pessoa border é totalmente o
contrário disso, com muita emoção e zero racionalidade. Elas têm pouca
identidade pessoal e acabam vivendo em função da opinião do seu objeto
afetivo. Geralmente é o namorado, mas também pode ser um amigo ou um
familiar.
Conhecido como conquistador inveterado, Tony Curtis (1925-2010) sofria
de baixíssima autoestima e necessidade constante de atenção .
É um comportamento disfuncional que vai se intensificando ao longo da
vida. Mas o momento de eclosão acontece na primeira paixão do indivíduo,
o que geralmente ocorre durante a adolescência para a maioria das
pessoas. É o período mais dramático, em que os pais começam a notar, por
exemplo, que a filha tem uma reação muito exacerbada a um término de
namoro, ameaça se matar e diz que não vai mais conseguir viver se não
voltar para o namorado. Esse drama é até comum no primeiro amor de um
jovem. O problema é que isso começa acontecer repetidamente e vira
rotina em todas as relações afetivas seguintes. A pessoa começa a viver
como se tivesse constantemente apaixonada, enfrentando esses ciclos em
que se sente rejeitada.
O cinema já retratou já personagens com traços ou com diagnóstico
completo de TPB, como é o caso do filme “Borderline - Além dos Limites” .
Os estudos mostram que o cérebro masculino é mais racional e o feminino
mais emocional. Isso não quer dizer que não existam homens mais
emocionais ou mulheres mais racionais. O transtorno de borderline é uma
exacerbação do lado emocional, fica claro entender então que ele vai
predominar nas mulheres. Numa razão inversa, o transtorno psicopático,
caracterizado pela racionalidade, predomina entre os homens, numa razão
de 4 para 1.
“Borderline - Além dos Limites” conta a história de Kiki, uma mulher que
se envolve em relações conturbadas com diversos homens .
Existem dois modelos básicos de borders. Um é aquele mais agressivo e
explosivo, que gosta de controlar, persegue e até agride o objeto
afetivo. Esse tipo predomina mais entre os homens. Já aquele que
predomina mais entre as mulheres é o tipo mais implosivo, que parte mais
para autoagressão. Nos casos mais graves, elas se automutilam
machucando o próprio corpo ou bebem e usam drogas em excesso. Elas não
usam essas substâncias por prazer, mas para se punirem.
Na TV brasileira, a marcante personagem Heloísa (Giulia Gam), na novela “Mulheres Apaixonadas, tinha traços de TPB.
Quando se trata de um transtorno de personalidade, não se fala em cura,
mas em ajuste. Porque toda personalidade tem seu lado positivo e
negativo. O que você faz no tratamento é exacerbar o que ela tem de
positivo, abrir portas e mostrar que ela pode ter recompensas e prazer
não apenas da vida afetiva, mas também no trabalho e nas outras áreas da
vida. Pessoas com traços borders costumam ser brilhantes nas artes. Se
for uma atriz, por exemplo, vai ser daquelas viscerais, que se entrega
totalmente a um papel. Quanto aos fatores negativos, você trabalha ao
máximo para reduzi-los. Você pode até ministrar um medicamento quando
essa pessoa está numa fase muito agressiva, mas esse não é o foco
principal.
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