domingo, 24 de fevereiro de 2013

Homens que amavam demais

Embora exista a crença popular de que homens não sentem ou choram, eles são capazes de amar profundamente. Entretanto, alguns amam de forma desesperada e errada, criando relacionamentos destrutivos que refletem sua infância desestruturada.
 
Sengundo os poetas, uma vida sem amor não vale a pena ser vivida. Esta constatação é facilmente compreendida por aquelas pessoas que vivem ou viveram histórias de amor. Na verdade, faz parte do ser humano o desejo de amar e ser amado. O amor é um sentimento que representa uma forte afeição pessoal e apego; é uma virtude associada à bondade, ao carinho e à compaixão. Significa querer bem - e envolve paixão, atração, inclinação, conquista, desejo, etc. 
De maneira geral, as ideias propagadas sobre o amor romântico possuem um "toque mágico", pois se imagina que o célebre frase "felizes para sempre" dos contos de fadas pode se tornar uma realidade. Entretanto, o amor não é um sentimento muito simples de ser vivido. O dia a dia de um relacionamento a dois nem sempre é fácil ou "um mar de rosas". Alguns podem ser complicados ou desgastantes. O amor pode ser observado como uma "criatura"  que muda, cresce e precisa de atenção. Atualmente não se sabe exatamente se as pessoas procuram por um amor ou apenas procuram preencher uma carência pessoal.
Infelizmente alguns relacionamentos chegam à violência física. Mesmo aqueles que não vivem estas experiências conhecem histórias em que o amor vira um sentimento obsessivo, capaz de causar danos emocionais e fisicos irreversíveis. Este tema tem sido abordado por muitos estudiosos, e Tatiana Ades faz parte desse grupo. A dramaturga e psicanalista tem como especialidade o atendimento de casos - tanto os leves quanto os graves - relacionados ao amor patológico.
O trabalho de Ades tem sido fonte nacional e internacional para aqueles que necessitam de soluções para problemas relacionados ao amor, com questões de codependência, depressão afetiva, ou ciume exagerado. Ela também orienta vitimas de agressões físicas e verbais.
Como pesquisadora do comportamento humano, Ades entrevistou durante dois anos homens cujos sentimentos de amor foram considerados patológicos e reuniu depoimentos e percepções no livro HADES - Homens Que Amavam Demais (Editora Ísis). O título da obra é uma referência ao mito de Hades, cuja história conta que ele era o deus do mumdo inferior e dos mortos. Temendo que o seu mundo fosse exposto ao Sol devido às lutas que aconteciam entre alguns deuses, Hades decidiu sair de seu reino montado em seu carro guiado por corcéis negros. Naquele momento Afrodite estava sentada no monte Érix com seu filho Eros (cúpido), e pediu a ele que atirasse flechas em Hades, o deus solitário. Conta-se que, quando ele acistou Perséfone filha de Deméter, apaixonou-se perdidamente e decidiu raptá-la. A jovem apavorada, chamou por socorro à mãe e suas amigas mas, sem ter como reagir, acabou resignando-se. O livro trata sobre o amor exacerbado e até o patológico de alguns homens, cuja dependência afetiva e emocional em relação a suas mulheres torna-se obcessiva e infernal, a ponto de perderem o emprego, a saúde e até a própria vida. Ele busca mostrar a sociedade que o homem também pode amar de forma desesperada e errada, tornando os relacionamentos destrutivos, e que isso pode ter consequências graves, Todos os depoimentos do livro são verídicos e anônimos.  Ades conta que decidiu escrever HADES - Homens Que Amavam Demais quando percebeu que n]ão existiam informações necessárias referentes ao amor (patológico ou não) vaoltadas para o público masculino. "Todos os livros publicados até então falavam de homens machistas, com dicas fúteis sobre como conquistar uma mulher eoutros temas desse tipo. O HADES permitiu que os leitores pudessem entender o sofrimento masculino, ultrapassando as informações já preestabelecidas como corretas em uma sociedade que não aceita que o homem também possa amar de forma exacebada e doentia.
A OBSESSÃO - Em alguns relacionamentos o amor pode virar um sentimento de obsessão e chegar à violência física, causando danos emocionais e físicos irreversíveis.
 Mas quem são os homens que amam demais? Geralmente, eles vêm de um contexto familiar destrutivo, mantêm um relacionamento simbiótico com a mãe (ou ela é muito próxima ou muito ausente). Muitos possuem casos de alcoolismo na família (mãe e/ou pai) e sofreram violência doméstica, física e verbal. Segundo Ades, eles trasportam essas frustrações para a vida e repetem a história. "Quando realizei as entrevistas, desmembrei suas vidas, chegando até a infância. Percebi que muitos deles repetem os padrões de comportamento de sua familia, o que afeta bastante seus relacionamentos hoje." Ades respondeu a algumas questões sobre o tema da obra, esclarecendo aspectos importantes que devem ser de conhecimento público.

GTCP - Qual é a importância do amor na vida das pessoas? Para se alcançar a felicidae, é fundamental a realização amorosa - ter um bom parceiro afetivo ao seu lado?
TA - Sim, considero essencial a realização amorosa. Atualmente, mesmo com os avanços femininos, a carência humana está em alta: as pessoas passam a noite com outras, desejando um pouco de afeto, mas ainda sonham com o amor eterno. Entretanto, é importante ressaltar que a pessoa ao seu lado deve acrescentar e não diminuir; tudo é questão de sintonia e troca. Estar sozinho e amar a si mesmo são o primeiro passo para encontrar a pessoa certa.

GTCP - O que é codependencia amorosa? O que leva uma pessoa, independente do sexo, a ser um codependente amoroso?
TA - O codependente amoroso é uma pessoa que se vincula a outra num processo simbiótico, no qual encontra no outro ser a sua própria imagem, ou seja, ele busca o seu próprio ego preenchido na sombra do outro. Na codependencia afetiva, duas pessoas problemáticas unem-se na intenção de preencher suas carências e falta de amor próprio, vivendo um ciclo repetitivo de destruição e autoflagelo.

GTCP - Os homens geralmente são considerados mais racionais. Apesar de estarmos no século 21, ainda hoje é possível sentir os resquicios do patriarcado que determinava o homem como o provedor, comandante e o ser forte dentro da família e fora dela. Neste contexto, criou-se no imaginário popular a ideia de que o homem não sente e não tem a capacidade de amar como a mulher. Ainda hoje é possível ouvir, dirigidas aos meninos, palavras tais como "homem não chora". Em sua opnião, o homem é regido apenas pela razão? Ele tem a mesma capacidade de amar que a mulher?
TA - O patriarcado não existou realmente, o que existiam era regras patriarcais. O homem criava regras sociais para garantir sua masculinidade, porém sempre soube que, na família, a base era a mulher e a forma como ela pensava e se conportava. Hoje as regras sociais mudaram por meio do feminismo. O cerébro masculino sempre foi mais racional, ou seja, sempre levou suas ações para a organização e lógica. O cerébro feminino também considera a razão, porém é muito mais emocional que organizacional. Acredito que a anima masculina está mais aguçada nos dias de hoje devido à incompreenção da mulher e de seus atos  na atualidade. Porém, não julgo as mulheres, pois as regras patriarcais antigas acabram por ferir a moral feminina devido aos seus abusos. Era comum que se aceitassem os erros dos homens, mas não os da mulher. O homem e a mulher têm a mesma capacidade de amar, porém a forma de provar o amor é diferente. O homem, em geral, gosta de conquistar, e prefere dar bens materiais para a mulher amada a comprar alguma coisa pra si. Assim, sem negar sua natureza, eu acredito que o homem sempre comprou um carrão para mostrar à mulher que é capaz de protegê-la e satisfazer seus desejos materiais, enquanto a mulher, por sua própria natureza, pensa no homem amado e nos seus filhos como a base da familia. na ausência do homem, ela consegue fazer o papel de provedor, ou seja, é capaz de sustentar a família. A mulher, por ser mais racional com seus sentimentos, geralmente é mais decidida em relação ao amor que sente pelo parceiro e sabe o que quer viver com o seu companheiro no futuro. Por outro lado, o homem tenta entender sua companheira e traça metas baseadas no que entende que é melhor para os dois, mas isso não indica uma codependencia, e sim uma dependência afetiva natural do homem.
     
GTCP - Quais são os motivos que levam o homem a ser um codependente amoroso?
TA - Baixa autoestima. O homem está totalmente perdido - é uma sociedade nova, na qual ele deixou de ser o provedor e o caçador e esta diante de mulheres dominadoras e poderosas. Isto o deixa completamente atordoado, pois instintivamente ele precisa conquistar, e não ser conquistado. As conquistas excessivas da mulher moderna deixam o homem atormentado. Ele criou uma carência excessiva e acabou entrando no caos do amor patológico - a codependencia afetiva -, por meio do qual tenta a qualquer custo modificar um contexto caótico. Essa codependencia também pode ser a repetição de padrões de infância, pois uma familia desestruturada pode servir de base ou exemplo para o homem cujo amor pode ser considerado patológico. Os homens codependentes têm muitas vezes a característica de repetir comportamentos familiares antigos - eles vêm de lares desajustados, e os problemas com os pais são repetidos inconscientemente na vida adulta.

GTCP - De que forma esta codependencia pode ser trabalhada? Existe cura para esse tipo de sentimento?
TA - A codependencia pode ser trabalhada quebrando padrões familiares antigos e resgatando a criança ferida ainda existente no adulto confuso. É preciso fazer o homem entender que o mecanismo de modificação da mulher amada nunca funcionará, pois é reflexo de um padrão antigo, que lhe foi mostrado como correto e familiar, portanto aconchegante. A terapia ajuda em todos esses processos, devolvendo ao homem codependente a autoestima necessária para que ele aprenda a ter o egoísmo saudável, necessário para a sua própria sobrevivência e bem-estar.
   
"Codependencia é um transtorno emocional definido e conceituado por volta das décadas de 70 e 80, relacionado aos familiares dos dependentes quimicos, e atualmente estendido também aos casos de alcoolismo, de jogo patológico e outros problemas sérios da personalidade. (...) o codependente é atado à pessoa-problema. Uma expressão que representa bem a maneira como o dependente adere à pessoa problemática é 'atadura emocional'. Dizemos que existe atadura emocional quando uma pessoa se encontra atrelada emocionalmente a coisas negativas ou patológicas de alguém que a rodeia, seja esposo, filho, parente, companheiro de trabalho, etc. Devido a essas amarras, o codependente passa a ser quase outro dependente (da pessoa problematica)." Em Escravas de Eros - Como se libertar de homens complicados e reerguer sua autoestima (Editora Metaphora), Taty Ades. 

Por Ricardo M. Silva (Revista PSICANÁLISE)

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