Tempo de envelhecimento, tecnologia e marketing ajudam a promover e sofisticar a autêntica cachaça brasileira
A caninha, que já foi sinônimo de bebida pouco nobre e de elaboração sem maiores cuidados, ganha cada vez mais aroma e sabor confiáveis – para orgulho de produtores e consumidores.
São os bebedores, aliás, os maiores responsáveis pela notável melhoria geral da qualidade da cachaça, branca ou envelhecida. Para satisfazê-los, iniciativas, como o Centro de Tecnologia em Cachaça, em Minas Gerais, têm permitido aos fabricantes acesso a níveis de conhecimento sobre o plantio, equipamentos e produção nunca antes imaginados. E o resultado é sentido pelo olfato e paladar de quem aprecia nossa bebida por excelência.
Mas, de uns anos para cá, começaram a chegar ao mercado garrafas precedidas de marketing e preços igualmente nunca antes imaginados. E o espanto foi inevitável: elas realmente valem R$ 200, R$ 300 e até R$ 500? É o caso, por exemplo, de marcas como Vale Verde 12 anos, Sapucaia Real, Germana Heritage, Barão Reserva, Weber Haus Reserva Lote 48, Tonel 40, Armazém Vieira Ônix, Leblon ou Sagatiba Preciosa.
Para Rodrigo Ferreira, barman do badalado restaurante Mocotó, de São Paulo, “os preços são justos, pelo trabalho e pelo tempo de barricagem”. E o nó da questão está justamente nesse ponto, o do envelhecimento em madeira por longo tempo, segundo o pesquisador da área ambiental Eduardo Martins, por duas vezes presidente do Ibama e que se prepara para lançar nos próximos meses sua própria cachaça no mercado, a Encanto da Marquesa.
Elaborada em Taiobeiras, no Norte de Minas, cidade que faz parte da microrregião de Salinas, com métodos sustentáveis do plantio à destilação, a Encanto da Marquesa é de uma linhagem artesanal mais pura, em contraponto às cachaças industriais, que representam dois terços das vendas no Brasil.
Para Eduardo Martins, além do investimento em marketing das cachaças mais caras, pesa o fato de seus produtores usarem barris de carvalho para o envelhecimento. “Eles são muito mais caros que as madeiras nacionais. E quanto mais tempo ficam estagiando, mais cresce o custo de produção”,
Essa opção, segundo ele, “tem a ver com o gosto adquirido do consumidor por destilados importados, em sua imensa maioria oriundos do envelhecimento em carvalho”. Ele prega o uso controlado e sustentável da madeira nacional, sobretudo a castanheira ou o bálsamo, “que oferecem a verdadeira identidade de nossa cachaça”.
Outro que reage aos preços altos é Ronaldo Garcia da Costa, profundo conhecedor do assunto e dono da maior cachaçaria do Mercado Central de Belo Horizonte, ponto de peregrinação de quem procura os melhores produtos do Estado.
Segundo ele, a mais famosa cachaça do País, Havana, de Salinas, passou a atingir preços mirabolantes por ter-se tornado uma raridade, primeiro pelo embargo ao nome por parte do governo cubano – depois revogado – e em seguida pela morte de seu fabricante, o misterioso Anísio Santiago, que jamais permitia visitas ao alambique. Daí sua última produção passar a valer ouro.
No embalo, surgiram cachaças mais novas a preços de uísques 12 anos ou mais, o que, para o expert tradicionalista também não se justifica. “A caninha é uma bebida essencialmente artesanal, em que os costumes de pai para filho fazem a diferença”, afirma Costa. “E de preços modestos, compatíveis com o custo baixo de produção na escala familiar”.
Conversando com o fazendeiro José Alberto Fonseca, que ainda guarda com carinho uma cachaça que envelheceu em umburana, a impressão é de que as cachaças de rótulos bonitos, nascidos em escritórios de design e longe do ingênuo grafismo das marcas mais antigas, podem ser boas, mas parecem ser outro produto. Rum, talvez.
E, para apimentar a conversa, a lembrança de uma máxima entre os conhecedores de vinho: é mais inteligente comprar três garrafas de La Tâche do que uma de Romanée-Conti.
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